9.11.07

ai vai a resenha de dois livros que lí ultimamente (um deles ficou entre os melhores que já lí na vida)

Cem anos de solidão, de Gabriel Garcia Márquez; editora Record; tradução de Eliane Zagury; 404 páginas, sexagésima edição.

Que Gabriel Garcia Márquez é considerado o Pelé da literatura todo mundo já sabe. Sua obra resiste ao tempo e continua maravilhando geração após geração, fazendo brilhar os olhos de todos que se aventurem pelas páginas de qualquer uma de suas obras imortais. Mais por que Cem anos de solidão é considerada sua mais importante obra? A resposta talvez seja a mais simples possível: cada frase do livro é carregada de enorme sentimento, cada sílaba parece que foi pensada por anos para ser colocada onde está, e, cada página é capaz de emocionar até o mais duro dos leitores.
Acompanhamos a saga da família Buendía por décadas e décadas, desde a fundação de Macondo pelo patriarca da família José Arcádio Buendía, até a guerra que assolaria a cidade anos depois. Temos a sensação de sermos testemunhas oculares das felicidades e sofrimentos da família, vibramos com a chegada dos ciganos, sofremos com o fuzilamento do coronel Aureliano Buendía e nos refrescamos com as chuvas de Outubro que caem sobre a cidade. A impressionante capacidade do autor de nos deliciar com a mais simples das historias talvez seja o triunfo máximo do livro. Não é raro nos sentimos como uma criança conhecendo o gelo pela primeira vez, com os olhos maravilhados pela densidade poética com que a historia é contada. Cada página é uma nova descoberta e uma nova emoção, sonhamos com os peixinhos dourados e as chuvas de minúsculas flores amarelas que enfeitam o conto como minúsculos detalhes que tornam-se, graças a narrativa, reais e verossímeis.
Gabriel Garcia dizia que escreveu o livro tentando imitar o tom de sua avó quando ela lhe contava histórias, talvez por isso o tom intimista do livro continue encantando todos que se aventurem pelas suas páginas. O tom de realidade fantástica que permeia as paginas do romance faz parecer como se Macondo estivesse próxima da nós, como se pudéssemos alcançá-la com a ponta de nossos dedos.
Cem anos de solidão é considerada por muitos uma das maiores historias da literatura mundial, foi vencedora do premio Nobel de Literatura em 1982 e é obra obrigatória para todos que saibam no mínimo ler. O livro é uma viagem inesquecível para uma Macondo pessoal, uma Macondo que ganha vida na cabeça de cada leitor, nos fazendo acreditar uma vez mais nas maravilhas de nossas próprias fantasias.

Boca do inferno, de Ana Miranda; Companhia das Letras; 337 páginas, quarta edição.

Durante o malévolo governo militar de Antonio de Souza de Menezes, o Braço de Prata, ocorre na Bahia do século XVII, o assassinato do alcaide da cidade de Salvador. Esse assassinato acaba servindo de pretexto para o começo de uma guerra entre o militar Braço de Prata e o grupo de liberais que lutam para dar fim à ditadura cruel vigente naquela época. O grupo de liberais, liderados pelo padre Antonio Vieira, é falsamente acusado do crime, e uma onda de opressão recai sobre a cidade. O poeta brasileiro Gregório de Matos, conhecido como o Boca do Inferno por seu senso de humor satírico que ironizava e desprezava os poderosos, se vê em meio ao turbilhão que a opressão formou e resolve fugir para evitar a cadeia ou a morte.
Personagens reais e fictícios misturam-se em meio ao romance que, nos apresenta diversas personagens interessantíssimas tomadas e corrompidas pela venalidade mercantil que sofria, verdadeiramente a Bahia daquele século. O dia-a-dia da cidade é amplamente detalhado na trama, que vai se desenvolvendo aos poucos. Todos os personagens do romance dividem-se entre caçadores e caças a narrativa alterna como cenário os nobres salões da cede do governo ao mais sujo beco que retrata o estilo de vida colonial dos brasileiros do ano 1863.
O romance, que é dividido entre sete partes denominadas: A cidade, O crime, A vingança, A devassa, A queda e O destino, nos leva ao mais sórdido pecado, linguajar e físico, e em meio a prisões, torturas e sexo a historia vai sendo contada e, aos poucos, a própria cidade, que serve mais como personagem do que mero cenário, vai sendo, aos poucos, modificada. Essa visão sórdida e suja da cidade entra em contraste com o paraíso tropical que ela também é. E isso acaba sendo refletido nos personagens, que, por um lado lutam pela liberdade e em outro, são facilmente tomados pela cobiça.
As bocas afiadas de Gregório de Matos e do Padre Vieira retratadas no livro são apenas um dos pontos fielmente retratados pela autora. A religião e a política também estão presentes na forma de personagens fieis as suas crenças. O livro traça um perfil do barroco brasileiro e serve para entendermos o meio de vida dos cidadãos daquela época. Boca do inferno é considerado por muitos uma das obras mais importantes da literatura brasileira. Foi traduzido para os Estados Unidos, Alemanha, Itália, Espanha, Suécia, França, Inglaterra e Holanda, entre outros países e recebeu um premio Jabuti de revelação no ano de 1990.
O livro é obra obrigatória para todos os apreciadores de uma boa literatura, que, por ventura, virão a conhecer, com sua leitura, as belezas historias de uma época onde as pessoas lutavam por sua liberdade, lutavam contra a venalidade e, lutavam usando o poder das palavras.

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